segunda-feira, 8 de junho de 2009

PEDRO TCHIVINDA

ENTRE O CUBO - FUTURISMO E O MITO HUILANO

Albano Pedro*

Aos 40 anos de idade, Pedro da Conceição Filipe André ou Pedro Tchivinda é um homem amadurecido pelas vicissitudes históricas da sua época num tempo sem fim e um pintor endurecido pelas experiências ético-estéticas resultantes de um trabalho árduo num espaço sem limite. Começou a desenhar na escola, sacrificando desde cedo os estudos académicos em favor da paixão que não mais o abandonou.

Como pintor galgou os degraus do conhecimento com um autodidactismo eivado de uma convicção, algo cega, pelo sucesso. Descobriu uma corrente aqui denominou cubo-futurismo. Simbiose, é claro, de duas correntes estéticas modernista introduzidas nos primeiros quartéis do século passado. A primeira, o Cubismo, largamente explorada pelo pintor espanhol Pablo Picasso, inovou o quadro analítico formal através da projecção geométrica dos pictogramas no processo de objectivação da “coisa” artística; a visão analítica esbarra-se com uma associação formal onde o objecto impresso é uma polidimensão expressa no ângulo bidimensional, i.é, uma tridimensionalidade plana. O que revela a possibilidade ilógica de se obter as seis vista do objecto num único extremo visual: Frontal. Embora operando com bases próprias da geometria, o cubismo ultrapassa os limites formais desta e expõe-se para alem configurando novos modelos. O cubo, o paralelepípedo, a esfera, o cone…, são transformados e adoptados como partes de uma forma mais ampla (a forma criada como corpo da narrativa pictórica ou tema retratado) por uma geometria plástica longe do rigor euclidiano. Assiste-se então o formalismo rígido ou exacto da geometria que se rende ante a suavidade dos movimentos e interações plastigráficas, nascendo assim uma geometria harmoniosamente plasticizada.

O Futurismo enquanto ensaio pictórico de uma realidade futurística, revela a imagística das formas e movimentos dos elementos tecnológicos como suporte do discurso plástico. Os pictogramas concebidos fazem-se e refazem-se num processo epistemológico onde a concepção e a percepção se confundem em formas reveladoras de conceitos não contemporâneo nem passados. É o progresso dinâmico-estético numa prespectiva dinâmico-criativa; o ilimite estético-criativo transbordante da acção libertadora do artista em interação com os limites do ambiente plástico. Numa palavra: a extravagância.

Se o Cubismo associado ao Futurismo é uma inovação, está deverá ser entendida no plano geopictórico ou plástico-territorial (salve-se assim do risco de cair no mimetismo negligente), posto que o pintor se tem revelado, entre nós, como único operador plástico consciente do conceito que lhe subjaze o processo criativo. O inequívoco porem, esta em que o Cubo-Futurismo de Pedro Tchivinda é uma forma de revelação plástica “suis generis”. O artista procura as bases de um realismo enriquecido pela pormenorização tónica das cores própria do naturalismo e com ela faz (re) nascer as formas do seu estilo. Uma associação surpreendente que sugere mais a polinomenclatura: naturo-cubo-futurismo.
Admita-se que, Pedro Tchivinda é antes um naturalista, se atendermos ao rigor na continuidade das nuances (o que é raro entre os naturalista angolanos) no tratamento das cores ao ponto de um morango pintado oferecer ao espectador, a sensação de suculência própria de um fruto natural (vide a obra: se Lubango tem morango…-em homenagem a canção homônima de Waldemar Basto).

Com a décima sexta exposição individual: Cubo da Futuridade, apresentada no mês de Agosto do ano 2001, o pintor evidenciou a versatilidade de um artista que faz da tela a paleta em que a mistura é um conjunto de formas que completam e pós-completam uma construção plástico-narrativa que, de assentada na acessibilidade do discurso realístico-naturalista, é de fácil leitura. O que une o prazer de apreciar a inocência criativa de uma obra realista e o esforço de descodificar os signos místicos de uma arte abstracta. Eis como o Cubo-Futurismo de Pedro Tchivinda sugere a ousadia da Arte em desafiar o seu próprio limite: o ilimite criativo, transportando-se a si mesmo para lá das fronteiras do exagero da (in) consciência enigmática da obra que materializa.

Quarenta obras! Uma exposição de grande fôlego. Pedro Tchivinda (de)mostrou que não só de Cubo-Futurismo vive o artista, mas de todas as possibilidades que o estilo encerra em si. Torceu e distorceu o Cubismo e o Futurismo, confundiu-os por vezes em outras correntes, oferecendo uma orquestra pictórica de diversidade agradável. Em quadros como “p’ra frente”, “defloramento”, “para o banho”…, o figurativismo de tendência abstracta atrai perigosamente o artista que resiste pelo fio de um Futurismo debilmente amarrado nas cores. Já em “num destes dias” o Futurismo vai ao ponto de regressar as formas primitivas com o rigor dos modelos tecnológicos (como a lâmpada eléctrica) associados à temática do futuro enquanto espaço-esperança denunciado pelo olhar perspéctico da forma feminina. Manifestam-se parcerias entre o Cubismo e outros estilos como o realismo (“depois de casados”) e o figurativismo (“Agere memo – eles mesmos – crioulo Namibe”). Porem, algumas vezes é majestosamente omnipresente (“cocktail in Mussulo”) ou solitariamente encantador (“Marimbeiro e companhia”) e ainda em casos que incorpora tipos raros do surrealismo (“protecção”). Finalmente a relação entre o Cubismo e o Futurismo é assombrosamente perfeita, ora revelando uma espectacular sensação de movimento (“Rapariga Beija Flor e Abelha”), ora apresentando um incrível dinamismo nas formas (“Nu Enxerto”).

Atravessando a sua obra da cobertura formal até ao âmago temático, os códigos éticos são enaltecidos (“Que viva a solidariedade”) ou denunciados como decadentes (“Chauvinismo”) ou até mesmo lembrados como fundamentais (“Carência Ingerindo Humanidade”). Também, são emancipados à psicoformas (“Janelas da Alma”), sacrificados em favor de um idealismo para-ético (“Ovinganji Eclipsando”), ou simplesmente usados como uma mensagem lírica (“no “ y”). Pedro Tchivinda tem na sua cidadela imaginária todas as soluções para as pandemias psicossociais de um mundo que teima em manter-se enfermo. É um sonhador. Pior! Um poeta que canta as melodias concordantes das motivações humanas e desumanas (“João e Joana”) com um espírito discordante e que se rebela contra a inóspita realidade envolvente (“Etango Tonoguine-Sol Poente-Kwanyama”). Daí que a mulher, mesmo como sociotipo que a realidade apresenta com todos os requintes de crueldade: lágrima, desaires e infelicidades…, revela-se nas curvas afrodíticas da beleza, respirando através da pele sedosa a esperança de um mundo ideal sobre um mundo real. Segue-se que a cordialidade, a harmonia social, a irmandade…, são valores facilmente destilados da temática proposta formando ideotipos que passam a frequentar a razão de que se coloca diante de cada tela. Um modo invulgar e perfeitamente agradável de pregar a mensagem da paz e da necessidade de unidade nacional, em cada espírito dilacerado desta Angola martirizada.

Entretanto, o drama nem por isso se aperta do prazer de viver e de estar. Parece colaborar com a dialéctica dizendo: A alegria é o amanha necessário da dor, tal como esta antecede aquela. De modo que a intensidade de uma condiciona a da outra. O poeta que esconde o drama atrás das cortinas transparentes de um lirismo suave é proeminente. Por vezes apresenta-se na embriagues erótica proporcionada pela flecha de um Cupido eventual. Se se pode admitir que a mulher é a expressão humana de um espaço geo-genético, Pedro Tchivinda é um huilano de natureza e de expressão telúrica, que abandonou a terra sem que para tanto concorresse a sua vontade.

Ora, na distância, após os apupos de uma saudade profunda, nada mais resta à sensibilidade humana senão cantar o passado. Mesmo quando este parece confundir-se com toda a realidade que nos envolve; mesmo quando nos ilude com um altruísmo universal que se exprime nos mais variados modos de auxiliar o próximo. Afinal, se Lubango tem morango…, há de ter certamente tudo quanto o prazer queira. E para tanto, Pedro Tchivinda canta na sua poesia plástica com todo o ardor de uma alma sensível. Sensível à necessidade humana.

* texto inédito elaborado por altura da 1ª exposição de Pedro Tchivinda em Luanda, há mais de 10 anos.

O GÉNIO DE SEBASTIÃO EDUARDO

E O NASCIMENTO DE “OS NACIONALISTAS”

Albano Pedro

Certa vez, há menos de dois anos, envolvi-me numa discussão sobre a possibilidade de um movimento de artes Plásticas em Angola. A discussão teve lugar, no velho edifício da UNAP (União Nacional dos Artistas Plásticas) e foram protagonistas entre outros pintores, Barcas e Gimby. Eu defendia, embora contrariado, que não se podia falar de um movimento das artes plásticas em Angola, antes do surgimento da nova Republica. A minha tese assentava nos seguintes argumentos: antes de 1975, Angola não existe como Estado, pelo que qualquer artista ou movimento artístico daquela época tinha directa referência com Portugal. Albano Neves e Sousa, pintor de renome da época colonial, sairia certamente em minha defesa, em benefício de ser meu homónimo. Após a independência, o regime politico baseado na centralização das decisões deve reflexos negativos na liberdade dos indivíduos e tendo em conta que a arte, apenas encontra realização com a liberdade ou sentido individualista do criador, seria bastante arriscado sustentar a existência de um movimento artístico, visto que o que se pôde produzir durante aquele período era material de valor ideológico-político enquadrável no interesse colectivista. Claro está, que a pensar de tudo haviam artistas. Negar esta verdade é ofuscar grandes nomes como António Olé, Zan Andrade, Paulo jazz, Augusto Ferreira, Tomás Vista “Tetembua”, Van-Dúnem “Van”, Jorge Gumbe, Massongui Afonso “Afó”, Marcela Costa, Kabissi Remos, Mpambukidi Nlunfidi, etc., que hoje fazem eco nos quatro cantos da fisiologia plasticográfica angolana. Todavia, encontravam dificuldades em fazer vincar a sua criatividade a margem das imposições ideológicas. A propósito daqueles angustiantes períodos da história das artes plásticas em particular, talvez Victor Teixeira “Viteix” (Um dos maiores vultos das Artes Plásticas Pós-independência), tivesse muito que contar para a nova geração de artistas se a morte não o tivesse convidado a abandonar-nos.

Em síntese, a história não ofereceu-lhes a oportunidade de “arquitectar” uma verdadeira estratégia geracional, capaz de desencadear um movimento artístico. A acrescer-se se a situação socio-política, a UNAP despoletou uma verdadeira crise de identidade criativa ao incorporar nos primórdios da sua existência, legiões de artesãos. Não estranha, por isso que os grandes nomes trabalhassem dispersos, distante de uma consciência colectiva. Daí que eu teime em sustentar que, é de duvidar a possibilidade de um movimento artístico, i.é, de existência de uma consciência generalizada em volta dos conceitos criativo no domínio das artes plásticas antes de 1992.

Com efeito, a nova geração de artista plásticos aquela que começa ganhar uma visão de conjunto sobre a Arte, separando-a do artesanato e das reproduções ideológicas, nasce com o primeiro curso de Artes Plásticas do INFC (Instituto Nacional de Formação Artística e Cultural) em 1988. E não é para menos. Neste exacto período, o famoso pacote de reforma económica, denominando programa de saneamento Económico e Financeiro (SEF) surge como a antecâmara de grande reforma política que culminou com a transição para a II República, palco definitivo do individualismo necessário a libertação do homem. É célebre o discurso da Dr.a Irene Guerra Marques, então directora da instituição e professora de língua portuguesa, que ao dirigir-se para o grupo dos primeiros estudantes no qual me encontrava incluso, sentenciou optimista nos seguintes termos: “… Com abertura deste curso, a fase de produção de telas com casas de pau-a-piqui termina”. Mais do que simples palavras de encorajamento, aquela filóloga determinou o fim de uma época confusa nas Artes Plásticas angolanas e divisou as cortinas, para nós, novatos, de uma época em que tudo devia nascer da espontaneidade do homem angolano; da criatividade em si. Entretanto, foi preciso esperar por três gerações de formados para que a palavras proféticas, daquela querida e dedicada professora, passassem para o plano da realidade. Os protagonistas são entre eles Sabby, prémio cidade de Luanda e dos poucos formados que se fez pintor com o curso. Muitos deles já eram artistas com carreira e membros da BJAP (Brigada Jovem de Artes Plásticas) é o caso de Domingos Barcas, que veio de Benguela com uma certa autoridade em tratar com pincel, Tomás Ana “Tona”, Gonga, Fernandes Nunes, Kissanga, Maria Clara Monteiro, a cantora, Marques, o mais dedicado gravador da nova geração, etc. Mas a contribuição veio igualmente de fora das carteiras do INFAC. Coutinho, o senhor do carvão, Don Sebas Cassule engenhoso e muito produtivo, auto-didacta são algumas das vozes. Pedro Tchivinda, um dos poucos pintores que trata o realismo por tu, tornou-se a figura emblemática da Huíla. Com o mesmo estilo, em Luanda Ezequiel, brinca com as cores e extasia os espectadores. Uma jovem, Amélia, já falecida, da corpo a primeira presença feminina da nova geração e os seus traços são de avançada concepção estética. O INFAC, coloca finalmente duas raparigas no mercado das Artes. Os nomes são ousados e criativos: Kátia Rangel e Ana Van-Dúnem. Donas de beleza reluzentes e de propostas estéticas de grandes promessa. “ Alea Jacta Est” (está lançada a sorte) diriam os latinos. É a época da efervescência criativa. Os jovens são audazes, os mestres vão cedendo os lugares no pódium e a pintura de pau-a-pique, vai de facto a pique.
Claro que, não basta a aparição de novos valores no mercado artísticos-plásticos, para se falar em movimento artísticos. Porque acima de tudo, um movimento é uma tendência ética, i.é, é, uma sucessão de valores historicamente presentes e aceites por uma determinada sociedade. Para tal é necessário que haja uma estratégia de acção que identifique uma geração e inscreva nos anais da história, a presença de uma época de buscas e descobertas de valores identificados com a necessidade de todos. A primeira tentativa desta verdadeira consciência de geração nasce com “Os Nacionalistas”.

Os Nacionalistas Acham que deve haver uma motivação comum na motivação da Arte. A motivação é ética e deve ter o mesmo pendor que as do grandes intelectuais dos anos 40, como o Mário Pinto de Andrade e outros, que lançaram o desafio “Vamos Descobri Angola”. O artista plástico angolano deve procurar as suas raízes e a partir codificar o seu processo criativo, conferindo à obra-produto uma marca tipicamente nacional. Mas um grande nome, embora incógnito, está por trás desta consciência colectiva: Sebastião Eduardo ou “SD” como assina nas obras.

Sebastião Eduardo. Um jovem de criatividade abundante e genialidade incontestável Nasceu artista e a sua candidatura e frequência no curso de artes plástica foi prova viva de que o Artista não se forma, nasce. Nunca conseguiu digerir a geometria dos conceitos matemáticos, químicos e físicos. Resultados: o curso foi excessivamente torturante. E a velha dificuldade enfrentada pelos libertos quando submetidos a regras. O artista quando nascido génio não é lógico, por isso não aprende. Ao invés, descobre-se. Só assim se compreende que Isaac Newton, o célebre matemático tenha sido péssimo aluno na disciplina em que se destacou. Sebastião Eduardo não precisava aprender arte, porque esta nasceu com ele. Sua gravura intitulada “ A dança do galo” (Em homenagem a famosa dança com o mesmo nome, do grupo de dança tradicional Os Kilandukilos) e a “Mordidela de Adão” atraíram a atenção de grandes nomes. Um deles é Jorge Gumbi, ex- director do curso de Artes Plásticas do INFAC. A particularidade dos traços de grande precisão e elevada perfeição, fazem de Sebastião Eduardo um criador nato. E onde estará a genialidade deste jovem? Basta saber que a maior parte dos artistas concebe a obra mentalmente e vindo em seguida a materialização na tela, na madeira ou no barro. São dois processos: a concepção e a projecção. Para Sebastião Eduardo, os dois momentos confundem-se perfeitamente. A obra nasce no momento em que toma o pincel e as tintas e passeia sobre a tela ou empunha a goiva para “desbravar” o linóleo. Um artista de admirável versatilidade que trabalha obcecantemente, horas a fio, completamente desligado do mundo exterior, usando os mais variáveis materiais e estilos que permitem a pintura, a gravura, o desenho, a escultura, a cerâmica, a banda desenhada, etc. grande parte das suas obras predominada por máscaras encontram-se dispersas em colecções de anónimos, muitos deles sem justo título de aquisição, uma vez que Sebastião Eduardo tinha pouca propensão para a alienação das suas criações. É a justificação da velha contradição com os actos e comércios que impõem aos artistas o cruel sacrifício de se verem distante de algo que lhes é intrínseco: a obra.

Quando nos conhecemos acabávamos de aprovar nos testes de aptidão para a frequência do curso. Tínhamos muito em comum. Desde o nome Sebastião, a vontade de criar, a vocação artista desde as infância a extravagância… até a resistência as aulas teóricas. Francisco Van-dúnem “Van”, então professor de desenho, caracterizou melhor a nossa relação apelidando o dueto que constituíamos com o estranho epíteto de “barraqueiros” qualquer coisa como vagabundos. Claro está que de vagabundo nada tínhamos. Apenas a impressão de que estávamos a ser torturados pela matemática, nos levava a distanciarmos da realidade académica, para nos fechar em projectos extra curriculares. Ele começou a praticar banda desenhada com Henrique Abranches e eu a colaborar com cartoons no Jornal de Angola. As aulas de Artes Plásticas prosseguiam nos dois períodos do dia e heroicamente conciliávamos tudo.

A ideia da criação de os nacionalistas assaltou Sebastião Eduardo numa altura em que já não estávamos a cursar Artes Plásticas. O seu mentor trabalhava com Lino Damião no atelier deste, localizado no edifício da UNAP. Ao ter comigo e expor a idéia, Sebastião Eduardo já não encontrou em mim o “menino nascido para as Artes”. Algum tempo tinha passado e o meu curso académico tinha mudado em grande amplitude. Trocara as artes pelas ciências sociais. É nesta altura, eu era um discípulo “fanático” de filósofos como Hegel Schopenhauer. Lógico esta que, facilmente integraria a sua iniciativa no âmbito das grandes transformações históricas que Angola vivia. Encantado com o meu discurso histórico-filosófico, Sebastião Eduardo conferiu-me a “autoridade de elaborar a “doutrina” de Os Nacionalistas. No assentamento do pensamento ético-estético que impulsionaria o grupo, divergimos. Sebastião Eduardo defendia um autoctonismo ferrenho do tipo Angola deve voltar-se para si mesma. Descobriu-se e andar por si mesma, rumo ao desenvolvimento. Eu, pelo contrário, teimava numa visão universalista, privilegiando a emancipação dos códigos éticos-estéticos a nível dos povos de todo mundo, procurando elementos para o enriquecimento do ser angolano e contribuindo com o que é de útil se pode oferecer ao mundo. Sebastião Eduardo revelou-se preso ao seu Nacionalismo de tendência radical. Um autêntico “Return to the rost” (regresso as raízes) injustificáveis nos tempos modernos em que a globalização estende os tentáculos ao processo evolutivo dos povos. Eu procurava conciliar o processo histórico com a necessidade do ser- angolano. O meu pensamento desenhou-se na base de uma teoria e resolvi denominar por Urbanismo, segundo o qual, a arte angolana embora concebida a partir de matrizes éticas nacionais deve ser “apetrechada” de códigos técnicos-estéticos universais, de modo que não seja isolada no contexto estético mundial. É uma condição de sobrevivência e de emancipação. Apesar da razoabilidade dos argumentos e possibilidade de “negociar” a conciliação, desencadeou-se, desde então, uma guerra filosófica entre nós. É a manifestação da soberania causada pela liberdade própria em artistas. Hoje, a música angolana veiculada por vozes jovens como as dos O2 (ex-N’ Sx Love), os SSP, Tony Amado e seu muchachos, Se Bem, etc., sustentam a verdade do meu discurso. Outras modalidades artísticas não tardam a seguir a passada.

Mas quem eram os Nacionalistas? Quando foi criado, eu era único membro que não praticava Artes Plásticas. Animado pelo Sebastião Eduardo, o grupo tomou corpo comigo, com Lino Damião o mais jovem pintor angolano com nome na praça, Mwamby, o espectacular escultor das peças em coco. Juntaram-se depois Venâncio “veneno”, Lutandila, jovem de traços definidos e que prometia uma brilhante carreira não fosse encontrar o fim da vida em Londres.

Sebastião Eduardo sonhava em viajar pelo mundo e fazer carreira fora de Angola. Um dia a oportunidade chegou e desapareceu para Portugal. Desde então muito jovens passaram pelo grupo, muitos deles a tomar contacto com as artes plásticas primeira vez. Os Nacionalistas, persiste já com a liderança de Lino Damião. Mwamby, está presente e eu não estou alheio o actividades, embora sem participação directa. Ocasionalmente realiza exposições incluindo convidados. A mais recente exposição foi realizada no restaurante Tamariz na Ilha de Luanda no dia 25 de Maio de 2001 e envolveu artistas estrangeiros como o espanhol Pedro pablo e a moçambicana Farida Rasaque. Yana Van-dúnem, Yonamine, Mwambi, Gonga e o próprio Lino Damião completaram o grupo de expositores

Dizer que Os Nacionalista são os responsáveis por uma nova visão criativa, não só seria um pedantismo gratuito como ofuscar-se-iam as grandes vozes que todos os dias estimulam a existência e o progresso das Artes Plásticas. Entretanto, este grupo quase insignificante, que surgiu entre uma UNAP afundada com a BJAP e um mercado artístico pouco definido, juntou em torno de um ideal revolucionário, a maior parte dos pintores angolanos da nova vaga, sediada em Luanda. Através dos vários encontros, exposições e tertúlias esporádicas promovidos pelos seus membros, muitos pintores começaram a ganhar uma verdadeira consciência criativa que num futuro não distante virá a estabelecer um novo estágio no processo evolutivo das Artes Plásticas angolanas.

Sebastião Eduardo encontra-se em Lisboa. Escreveu-me, recentemente, manifestando uma vontade nostálgica de nos reencontrar. Promete vir em férias, para rever familiares, amigos e, obviamente, o grupo de jovens que compõem Os Nacionalistas. Mas uma grande notícia veio com a carta datada de 4 de Julho de 2001: acabou de realizar a sua primeira exposição de pintura, nas terras lusas, em companhia de um pintor moçambicano. Ora avance, SD, a história das artes plásticas angolanas a ser escrita pela nova geração reserva muito espaço ao teu gênio!


* Texto integral publicado na extinta revista Xá de Caxinde, há mais de 10 anos.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

A PRÁCTICA DAS ARTES MARCIAIS

O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR E SUA INFLUÊNCIA NO COMPORTAMENTO

Albano Pedro

(Texto publicado no Jornal de Angola, suplemento Vida Cultural)

Por artes marciais entende-se o conjunto de técnicas coordenadas com vista ao domínio das habilidades físicas e psíquicas que proporcionam a capacidade de defesa pessoal ao seu praticante. A sua origem mais identificada com o étimo da palavra deveu-se efectivamente as guerras travadas entre os povos, ao longo da evolução histórica do extremo oriente. Conta-se que há milhares de anos A.C um monge terá feito uma peregrinação da índia para china com vista apregoar ensinamentos religioso e que ao longo de jornada terá feito uso de uma forma de luta para se defender dos assaltantes então conhecida como Ken Fat que se popularizou entre os seus discípulos vindo a evoluir para o Kung Fu (que quer dizer o caminho das mãos vazias) significado este que veio a identificar os seus equivalentes japonês (Karaté-Do) e coreano (Tang Soo Do). A partir do primitivo Ken Fat os povos da China, Coreia e Japão terão desenvolvido vários sistemas de combate corpo-a-corpo que sobreviveram aos dias de hoje sob várias formas de expressão. Modernamente contam-se mais de um milhão de artes marciais em geral agrupados em sistemas. Só o Kung Fu (sistema de artes marciais chinesas conhecido por ter sido praticado e desenvolvido pelo lendário Bruce Lee) comporta mais de 300 estilos de artes marciais, o karaté-do como um dos sistemas de artes marciais mais populares integra estilos como Shotokan, Goju-ryu, Shito-ryu, Wado-ryu, etc. Os próprios americanos evoluíram do karaté-do estilos livres como o Full Contact, Street Fight, etc.

Existem já muitos sistemas de artes marciais pelo mundo como a Capoeira (Angola e Brasil), Savaté (França), Muai Thai (Tailândia), Full Contact (Estados Unidos da América), etc. Contudo, os sistemas de artes marciais mais populares concentram-se na China (Kung Fu, Tai Chin Chua entre outras), Coreia (Taekwondo, Hapkido, Tang Soo Do, Kempo, Taekywon, etc) e Japão (Judo, Jiu-jitsu, Aikijiujitsu, Aikido, Karaté-do, Kendo, Ninjitsu, etc.). O Japão pela supremacia militar que teve em relação aos outros dois países aos quais ocupou por longos períodos é o que mais sistema de artes marciais desenvolveu sendo o Karaté-do (fundado por Funakoshi sensei identificado posteriormente pelo estilo Shotokan muito popular em Angola) e o Judo os mais conhecidos no mundo. Alguns estilos foram desenvolvidos para atender a fragilidade dos seus praticantes (caso do Judo sistematizado por Jigoro Kanu ou Aikido fundado por Muriei Ueshiba), outros foram desenvolvidos para defesa contra a subjugação dos senhores feudais como o Nunchaku (famosa matraca), Tonfa (forma de porrete com pega perpendicular utilizado modernamente pela polícia) entre outros sistemas de artes marciais que implicam a utilização de instrumentos geralmente agrícolas introduzidos pelos simples camponeses que se viam na necessidade de protegerem os seus pertences contra invasões, outras ainda desenvolvidas para o desenvolvimento espiritual, caso de Tai Chin Chua, a Maginata entre outras.

Com a descoberta de pólvora e o aperfeiçoamento das armas de guerra, a maioria das artes marciais foram perdendo importância no plano militar. Hoje a verdadeira arte marcial é a arte da guerra por utilização de armas de fogo desenvolvida pelas forças armadas. Sendo as restantes legadas a categoria de desportos de combate com vista ao desenvolvimento físico e psíquico do homem. Diferem-se em geral das artes ou desportos de luta (como o Boxe, a Luta livre, o Greco-Romano, etc.) por estes não envolverem a elevação espiritual que os praticantes das artes marciais atingem. Não espanta que a provocação e a insuflação do rancor e ódio pelo adversário que resulta em vitória do atleta rancoroso no Boxe não tenha qualquer êxito no taekwondo, karaté-do, kung-fu, hapkido, judo ou jiu-jitsu por exigir nesta a máxima concentração possível apenas com a serenidade do espírito.

Ao contrário do que se vulgariza, a prática das artes marciais desenvolve a capacidade de se estar calmo mesmo em situações de extrema ameaça ou de grande perturbação. Só um praticante adestrado ou mestre de artes pode esboçar um sorriso de calma transpondo benevolência e suavidade de espírito diante de um bando de assaltantes procurando tomar os seus haveres. A violência é gerada pelo medo e este pela falta de segurança individual. Um ambiente de medo é um ambiente potencialmente violento. Quanto mais se combate a violência com meios violentos mais ela aumenta. Já o versículo bíblico previu “quem com a espada matar com a espada morrerá”. A esposa constantemente espancada desenvolve uma “alergia” natural a qualquer forma de persuasão do esposo, por isso quanto mais se espanca o filho ou a esposa menos disciplinados se tornam diante as ordem do pai ou esposo. Eis a psicologia básica da violência combatida pelo artista marcial com a serenidade do espírito. Por isso, a alma violenta pela tensão do medo e instabilidade psicológica, relaxa ante a segurança alcançada pelo domínio das técnicas de defesa pessoal, da capacidade de auto-protecção Vem daí, a auto-determinação, espírito indomável, preserverança, auto-domínio entre outros valores que estruturam o espírito do praticante de artes marciais. É falsa a ideia de que o praticante de artes marciais é violento. Essa ideia é veiculada pela acção de indivíduos que não atingiram o grau de elevação espiritual exigido aos mestres das artes marciais. Pois se é fácil vermos um graduado inferior (cinturão amarelo, verde ou azul) aos pontapés na rua é devido a factores emocionais próprios da falta de maturidade. É por isso, que não nos é fácil ver um cinturão negro em rixas sem causa justificável aparente. O praticante de artes marciais é ensinado a defender-se e não a agredir. E certas escolas, o praticante que luta na rua é castigado com a severidade máxima e de um modo geral os mestres dos sistemas de artes marciais são intolerantes com os praticantes arruaceiros. Mas entende-se, ser a fase da arruaça um período de transição para a fase “adulta” do praticante de artes marciais em que descobre a capacidade e habilidade técnica atingida vindo depois a fase da consciência letal dos golpes que domina e o perigo social que representa em caso de uso indevido das habilidades técnicas. Esta última fase é atingida a partir da graduação média-superior (cinturões vermelhos ou castanhos conforme arte marcial praticada). A partir do 1º Dan (nível de cinturões negros) a maturidade é incontestável. Os níveis entre o 4º Dan e 6º Dan são mundialmente reservados a categoria de instrutores superiores também conhecidos como Mestres e os níveis entre o 7º Dan e 9º Dan reservado aos Grande Mestres, como autoridades mundiais máximas na propagação das artes marciais. Em geral o 10º Dan é dado a título honorífico a uma única individualidade viva, normalmente regente mundial da arte marcial em causa.


A prática das artes marciais é recomendada a partir da mais tenra idade. Desde os 3 anos o homem tem toda a vida para praticar artes marciais, pois não há reforma na elevação do espírito. Todas as crianças, sobretudo as traquinas e irrequietas, devem praticar artes marciais para desviarem a instabilidade psicológica ao treino metódico e disciplinado, compreenderem as emoções durante o crescimento, se prevenirem dos conflitos psicológicos e turbulências da adolescência pelo controlo do medo e acostumarem-se a disciplina e a ordem social no lar, na escola, na comunidade e no curso da própria vida. O treino nas artes marciais confere o espírito autónomo necessário para o empreendedorismo e sucesso profissional. Acostumado a vida austera do treino duro e orientado a descoberta das mais profundas capacidades físicas, o artista marcial não tem dificuldades em sobreviver em selvas estando perdido ou em ambientes que implicam habilidades especiais ou esforços físicos anormais como em situações de calamidade, desordem generalizada, guerras, etc. As crianças e adolescentes teriam melhor preparação para a prática de outros desportos e sobretudo para o treino militar se desde cedo os pais os incentivassem na prática das artes marciais. Não é por acaso que na China, Coreia e Japão a prática das artes marciais chega a ser obrigatória para todas as crianças integradas no sistema de ensino. Não sabem o quanto debilitam os filhos com a falta de educação física e mental, os pais que afastam, os filhos desta prática quando ligam as artes marciais ao puro treino para a violência. Os próprios pais, assolados pelo stress diário, pelas irregularidades das economias e pela insegurança do lar ou da sociedade devem praticar artes marciais a ver se recuperam a auto-confiança. Não há idade na prática das artes marciais. Aliás mais se envelhece mais profundo se é na prática das artes marciais, por isso a partir de determinados níveis de cinturão negro a graduação só é permitida mediante o alcance de determinada idade, sendo que a partir do 7º Dan apenas os indivíduos com idade superior a 50 anos de idade podem ter acesso. Alguns desportos como o futebol, basquetebol entre outros não permitem tanta façanha por exigir muito esforço dos seus praticantes. Porém, o artista marcial é ensinado a economizar as suas energias para a longevidade.

Modernamente, as artes marciais, com excepção do Kung Fu, são também praticadas como desporto, havendo vários campeonatos em todo mundo. Todos os anos milhares de atletas em todo mundo conquistam medalhas e prémios. Apenas o Taekwondo e o Judo são consideradas artes marciais olímpicas (representadas nos jogos olímpicos) por serem praticadas por mais de 200 milhões de atletas em todo o mundo. O Karaté-do que também é praticado por larga maioria acima de centenas de milhões não é olímpico por comportar vários estilos, não sendo por isso mundialmente uniformizado como acontece com aquelas artes marciais.

Em Angola temos o Karaté-do, Taekwondo e Judo. Outras artes marciais como Jiu-Jitsu, Kung Fu, Capoeira, etc. vão firmando a sua presença entre os praticantes e entusiastas das artes marciais. Apesar disso o número de praticantes de tão ínfimo não justifica a importância desta prática. Provavelmente a falta de demonstrações públicas e a ausência de informação regular na comunicação social sejam as causas principais desta realidade. Não é de estranhar que os praticantes de artes marciais sejam em geral associados a vagabundos com vocação para malfeitores. Em Angola o Taekwondo conta com mais de 60 cinturões negros (sendo dois graduados a 5º Dan, quatro a 4º Dan, quatro a 3º Dan e os restantes repartidos entre 1º e 2º Dan) e centenas de atletas e praticantes diversos oficialmente controlados pela Federação Angolana de Taekwondo.

PARA UM EXAME SOBRE A IMPOSSIBILIDADE METÁFISICA DO ETONISMO

Sobre o argumentário lógico na réplica de Patrício Batsíkama

Albano Pedro

(Segundo texto em torno do Etonismo publicado no Jornal de Angola, suplemento Vida Cultural)

Recebi com fino agrado a réplica de Patrício Batsíkama, publicada neste jornal, a propósito do meu discurso sobre a impossibilidade metafísica da obra plástica de Tomás Ana “Etona”. Há muito esperei, como de resto esperam os intelectuais da minha geração, debates desapaixonados e cientificamente sustentados, não tanto para ensaiar os famosos círculos intelectuais que animaram as correntes filosóficas ocidentais do período iluminista, mas para projectar uma nova cultura discursiva digna de agentes de correntes de pensamento multiformes.

Entretanto, mergulha-me num mar de confusão. Primeiro, agradece a minha abordagem filosófica e depois diz que não entendo nada de filosofia de Arte. Adianta dizendo que me falta “juízo científico” o que me confunde ainda mais ao ponto de já não ter ideia clara se a abordagem é filosófica ou científica. Avança que não entendo de lógica argumentativa quando essa falta é manifesta na sua réplica repleta por isso de contradição. Não tenho domínio dos fundamentos – metódica – da filosofia? Quem, para além de si, está a confundir causa ou nomenon – absoluto (Hegel), mónada (Leibnitz) ou sub estante (Baruch Spinosa) – enquanto objecto próprio da metafísica, com o efeito ou Phenomenon entendido como o móbil da ciência? Já reparou que quando recorta a Tolerância (nomenon) em tolerância indo-europeia e tolerância etoniana (eventualmente africana) submetendo-a a exposição circunstancial infra-temporal, está a transportar a sua pretensa filosofia para o terreno da ciência? É um problema de epistemologia cuja ignorância o obriga a visitar importantes mestres universais, alguns dos quais, faustamente citou sem os compreender na essência. O cúmulo da contradição se expõe quando confunde arte com ciência; quando nega os fundamentos ocidentais do seu etonismo apesar de se sustentar da teoria de autores ocidentais ou mais grave ainda, quando não consegue se “desmamar” dos seus mestres ao defender a sua corrente de pensamento que deseja inovadora. Pretende confundir sua tentativa de avaliação ética da obra plástica de Etona com Filosofia de Arte? Francamente!

Com toda a retórica capacitada pela visão emotiva do fenómeno artístico que sustenta, entremeada por verborreia gratuita, duas constatações posso decantar do seu discurso: Primeiro, que tem procurado forçar uma enxertia dos seus conceitos de filosofia sobre a obra de Tomás Ana “Etona” por um visível clientelismo e oportunismo não justificados; Segundo, que regista um gravoso défice de conhecimento sobre a historiografia artiplástica angolana do pós-independência. Por isso, sua réplica labuta em terreno lógico de características pantanosas usando duas charruas despropositadas para a lavoura que pretende. A primeira é não ter percebido do momento fulcral da minha constatação – pretendi que a Arte de Etona não desencadeia corrente filosófica nenhuma, sendo certo que um sentimento político (de matriz circunstancial e reaccionária) é o mais apropriado para caracterizar tal pretensão. Segundo, a minha avaliação, embora recheada de argumentos plasticográficos, nunca foi orientada na perspectiva estética (nem é esta a minha especialidade em matéria de crítica de arte – de resto se tem lido os meus textos de crítica sobre o seu confrade Etona será esta a suma constatação). E é sobre estas duas constatações que esperei sua “adulta” contribuição discursiva, certo de que o exercício da crítica nunca deve retira-nos da seriedade analítica inspirada pela imparcialidade e pela honestidade.

A incapacidade para a constatação lógica do meu argumentário está em que, Patrício Batsíkama é um estudioso que, vindo de uma valiosa passeata pelo mundo do conhecimento, pretendeu plantar um movimento filosófico nas artes plásticas angolanas com a incúria de não examinar a realidade criativa ao ponto de se perder nas persuasões clientelistas de um artista de resto muito sagaz em matéria de relações comerciais como Etona. Identificou, com erro e paixão, o terreno em que podia plantar e fazer nascer sua promissora carreira como filósofo de arte. Percebe-se, mesmo com a engenharia verborreica que utiliza, que sua filosofia se perdeu num discurso elogioso sobre uma arte incapaz de representar uma imagem constante de si mesma. Teve ainda a aura gloriosa de se achar no meio de reles mortais (entre ignorantes e incapacitados) no domínio das artes e da própria filosofia. Não estranha que o próprio Etona tenha dificuldades de entender a filosofia que sustenta a sua arte e por isso, se tenha constituído seu discípulo para um aprendizado impossível.

Se implanta in limine com a ideia de que o etonismo é uma corrente de tal ordem revolucionária que merece enquadramento académico nos curriculum escolares do mundo, quando é certo que o ocidente está de tal modo desgastado pela recorrência aos modelos clássicos que não perde tempo em consumir sofregamente qualquer material exterior a sua realidade mesmo que a qualidade não seja apelável. Saiba que muito material de qualidade filosófica e artística se perde amarelecido no espírito dos africanos por nunca terem sido expostos ao mercado cultural ocidental. Não se apercebe disso nos domínios da música, dança, teatro, literatura e até mesmo das artes plásticas? Por isso, não se perca com a vaidade de pretender o etonismo como uma verdadeira invenção filosófica. Tenha a humildade de estudar e perceber a historiografia artiplástica angolana e surpreender as maravilhas da engenhosidade plasticografica que podem sustentar teses mais profundas do que as que ardentemente deseja com o etonismo. Minha insistência para além de eivada de vícios de um jurisconsulto pretende colocá-lo no plano da seriedade analítica da arte angolana em busca da profunda sensibilidade do fenómeno artístico –, o desprezado é quase sempre a fonte de conhecimento mais segura (ex ore parvulorum veritas) – afim de que ao agenciar sua filosofia pelo mundo o faça de modo irrepreensível e transmita orgulho a todos nós, angolanos. Proponho-lhe, enfim, que passemos em exame a evolução das artes plásticas angolanas, através de um debate assistido e participado pelas mais variadas opiniões e sensibilidades. Seguramente, constataremos novas orientações discursivas para futuras análises, quer no domínio da estética quer no domínio da ética das artes no geral. Vale a ideia por dinamizar o pouco expressivo ambiente da crítica de arte em Angola. E provavelmente nascerá uma melhor e mais convincente sustentação para o seu muito querido Etonismo. Alea jacta est.

O ETONISMO E O RISCO DO LUGAR COMUM

NO CONTEXTO DAS CORRENTES DE PENSAMENTO
A propósito da possibilidade metafísica da proposta ética da arte de Tomás Ana “Etona”

Albano Pedro

(Primeiro texto em torno do Etonismo publicado no Jornal de Angola, suplemento Vida Cultural)

O Etonismo é defendido como a Filosofia da Razão Tolerante e desenvolvida por Patrício Batsíkama com base na obra plástica de Tomás Ana “Etona”, nos termos da qual é pretendida a ideia de que as relações humanas e sociais (incluindo as interestaduais) devem ser desenvolvidas com base no espírito da tolerância e camaradagem, salvo melhor interpretação, não havendo lugar a necessidade de ofensas de interesses do próximo. Esta corrente não pode ser vista como completa novidade senão na forma como se pretende desenvolver. Na sua perspectiva ontológica, esta corrente procura expor o óbvio e o estruturante nas relações humanas e sociais. Com efeito, desde a revolução burguesa que a Tolerância se tem tornado na chave das relações humanas e sociais. Deve-se a queda da monarquia e o surgimento do movimento constitucional a imposição da igualdade dos cidadãos (relação constitucional) e dos povos (relação internacional) como fundamento da tolerância convivencial ou relacional. Após, a segunda guerra mundial o mundo entendeu melhor a lógica da tolerância proclamando no domínio das relações entre as sociedades princípios claros e objectivos que determinam a necessidade tolerante das relações humanas e sociais, ao proclamar princípios como o da coexistência pacífica, da não agressão, da resolução pacífica dos diferendos entre outros que se tornaram na rede fundamental que suporta as relações entre os povos nos tempos actuais. Mesmo o Direito enquanto realidade normalizadora da sociedade é impregnado em absoluto pelo senso de tolerância. A norma jurídica é antes norma ética e moral eivada de toda tolerância possível, sob pena de ameaçar o justo, iusticiae. Não é por acaso que a Boa-fé – enquanto mecanismo de interacção tolerante – constitui o princípio cardeal do Direito.

Tive a virtude de elaborar uma peça crítica sobre a obra de Tona (hoje Etona) a propósito da sua exposição intitulada O ESTADO DAS COISAS que foi publicada na extinta Revista Mensagem do Ministério da Cultura então dirigida por Jomo Fortunato, através da qual manifestei a constatação sobre a mensagem nela impregnada trazida como recém-nascida na evolução conceptual do artista e no seu senso artiplástico, incluindo uma proposta ética nova, felizmente percebida por Patrício Batsíkama.

O risco do lugar-comum assenta na inovidade do conceito filosófico da obra plástica do Etona em que as propostas metaplásticas sóbrias e fundamentadas pela idade e pela visão reformista do espaço histórico e geracional não fazem nem refazem o corpus metafísico da ética que procura impor com o Etonismo. Na transparência da cortina metafísica de que se cobre esta tese se fragiliza e desventra com o desgosto de uma alma atribulada no seu estatuto de cidadão sobre as inoportunidades económicas do seu tempo e procura na subtileza da proposição filosófica a manifestação de uma revolta contra a polis (a exposição do Estado das Coisas de Tona inaugurou este evento no seu percurso estético-discursivo) recomendando a distribuição e redistribuição equitativa das oportunidades materiais e proclamando um igualitarismo exasperante através de uma constatação ilusória e paradisíaca das possibilidades de uma coexistência pacífica, por si só impossível pela natureza lopina do homem – Lupus omni lupus. Por isso, tolerância na família, tolerância na sociedade e tolerância no mundo.

O Etonismo pode inaugurar uma nova ética plástica ou artística em Angola e influenciar uma nova geração de artistas e até sobretudo a geração de políticos. Não será contudo corrente filosófica. Aliás, Tona ou Etona é personagem artiplástica de uma geração que se entremeou entre a arte politizada do pós-independência pré-republicana dos anos 80 que sobreviveu ao ajudar-se no esforço de retirar as artes plásticas dos braços fortes da ideologia política totalitarista da época e as relançou para a modernidade dos dias de hoje viabilizando uma verdadeira época de criação plástica. Na verdade o que deve ser caracterizada (chamando atenção a crítica séria e imparcial) não é a obra de Etona mas o movimento estético-revolucionário em que se inscreve a sua ascensão como artistas plástico. Neste não faltarão artistas com Tozé, Domingos Barcas, Gonga, Quissanga entre outros novos órfãos sobreviventes do esteticismo inaugurado pelo malogrado Victor Teixeira “Viteix”, sumo pontífice das artes plásticas angolanas, de quem Etona bebeu até a embriaguez. A ousadia de uma crítica séria levaria a caracterizar o actual momento das artes plásticas angolanas como um verdadeiro movimento ou corrente ética e estética cuja denominação viria em abono de todos os artistas da geração de Etona. O próprio Patrício Batsíkama apoia esta constatação ao sustentar que “quando são sucessivamente desenvolvidas pelos vários artistas consoantes diferentes maneiras cria-se escola” (vide: Etonismo e Barroco – site: nekongo.org). E de certo modo Etona não demonstra nenhuma racionalidade tolerante quando aclama os louros da sua geração para si, pela auto-proclamação principesca.

Em meio do renascimento angolano que se inaugura com florescimento político do pós-guerra é míster que as propostas baseadas em agregados científicos de influência universal – como são as proposições filosóficas – sejam ventiladas com base em fenómenos sustentáveis e conceptualizáveis compreendidos na evolução histórica da sociedade, do Estado e das várias formas de manifestação cultural atendendo a onto-génese antropopsicológica e sociológica dos angolanos em toda a sua trajectória histórica, identificando ou quesitando por especificação ou por interrogação as variáveis temporais e as variáveis intemporais com vista a determinar a sua causa determinante, se política, se filosófica, se meramente cultural.

Entendo, enfim que o Etonismo candidata-se a uma corrente política com forte pendor reaccionário quase esquerdista, circunstancialmente inconformista – o homem refugia-se no artista para manifestar-se no político – despertada pela exaustão desgastante provocada pelo passado ideológico que torturou e atrasou todo o processo de emancipação da maioria dos artistas plásticos hoje legados ao abandono institucional e procura sustentar um conceito com base numa realidade fáctica concreta emanada pelo actual modus essendi da sociedade angolana, invertendo o processo gnoseológico de causa efeito no recorte epistemológico dos fenómenos e não passa nem perto de uma proposição garantida pela imutabilidade fenomenológica própria dos conceitos filosóficos, nem mesmo quando proclamada como filosofia de acção. A realidade social angolana exposta na prática corruptiva de governação e de administração predadora de interesses públicos recomenda uma racionalidade tolerante identificada pelo mais consciente dos cidadãos, felizmente publicitada por Patrício Batsíkama. Porém, não é a essência formal nem material da sociabilidade angolana sustentadora de uma ontologia antropológica, estruturada no ser angolano como perene e como tal digna de avaliação metafísica. No plano formal temos que a estrutura jurídico-legal e constitucional é distante desta realidade fáctica e circunstancial proclamando uma civilidade tolerante através das normas de construção ética incólumes e vigorosas. Para tanto bastam princípios e regras fundamentais como o da capacidade de exercício do poder soberano do povo, entre outros. No plano material temos que o povo angolano tem a convivência estruturada com base comunitária de matriz costumeira por si só tolerante, não havendo que confundir a harmoniosa realidade das micro comunidades angolanas (kimbos) com a turbulência egocentrista da urbanidade assumida pelos grandes centros populacionais em que se estruturam os centros de decisões do Estado a partir dos quais Etona e sua pretensa filosofia procuram fundar o pensamento social pela Arte.