sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

PARA UM EXAME SOBRE A IMPOSSIBILIDADE METÁFISICA DO ETONISMO

Sobre o argumentário lógico na réplica de Patrício Batsíkama

Albano Pedro

(Segundo texto em torno do Etonismo publicado no Jornal de Angola, suplemento Vida Cultural)

Recebi com fino agrado a réplica de Patrício Batsíkama, publicada neste jornal, a propósito do meu discurso sobre a impossibilidade metafísica da obra plástica de Tomás Ana “Etona”. Há muito esperei, como de resto esperam os intelectuais da minha geração, debates desapaixonados e cientificamente sustentados, não tanto para ensaiar os famosos círculos intelectuais que animaram as correntes filosóficas ocidentais do período iluminista, mas para projectar uma nova cultura discursiva digna de agentes de correntes de pensamento multiformes.

Entretanto, mergulha-me num mar de confusão. Primeiro, agradece a minha abordagem filosófica e depois diz que não entendo nada de filosofia de Arte. Adianta dizendo que me falta “juízo científico” o que me confunde ainda mais ao ponto de já não ter ideia clara se a abordagem é filosófica ou científica. Avança que não entendo de lógica argumentativa quando essa falta é manifesta na sua réplica repleta por isso de contradição. Não tenho domínio dos fundamentos – metódica – da filosofia? Quem, para além de si, está a confundir causa ou nomenon – absoluto (Hegel), mónada (Leibnitz) ou sub estante (Baruch Spinosa) – enquanto objecto próprio da metafísica, com o efeito ou Phenomenon entendido como o móbil da ciência? Já reparou que quando recorta a Tolerância (nomenon) em tolerância indo-europeia e tolerância etoniana (eventualmente africana) submetendo-a a exposição circunstancial infra-temporal, está a transportar a sua pretensa filosofia para o terreno da ciência? É um problema de epistemologia cuja ignorância o obriga a visitar importantes mestres universais, alguns dos quais, faustamente citou sem os compreender na essência. O cúmulo da contradição se expõe quando confunde arte com ciência; quando nega os fundamentos ocidentais do seu etonismo apesar de se sustentar da teoria de autores ocidentais ou mais grave ainda, quando não consegue se “desmamar” dos seus mestres ao defender a sua corrente de pensamento que deseja inovadora. Pretende confundir sua tentativa de avaliação ética da obra plástica de Etona com Filosofia de Arte? Francamente!

Com toda a retórica capacitada pela visão emotiva do fenómeno artístico que sustenta, entremeada por verborreia gratuita, duas constatações posso decantar do seu discurso: Primeiro, que tem procurado forçar uma enxertia dos seus conceitos de filosofia sobre a obra de Tomás Ana “Etona” por um visível clientelismo e oportunismo não justificados; Segundo, que regista um gravoso défice de conhecimento sobre a historiografia artiplástica angolana do pós-independência. Por isso, sua réplica labuta em terreno lógico de características pantanosas usando duas charruas despropositadas para a lavoura que pretende. A primeira é não ter percebido do momento fulcral da minha constatação – pretendi que a Arte de Etona não desencadeia corrente filosófica nenhuma, sendo certo que um sentimento político (de matriz circunstancial e reaccionária) é o mais apropriado para caracterizar tal pretensão. Segundo, a minha avaliação, embora recheada de argumentos plasticográficos, nunca foi orientada na perspectiva estética (nem é esta a minha especialidade em matéria de crítica de arte – de resto se tem lido os meus textos de crítica sobre o seu confrade Etona será esta a suma constatação). E é sobre estas duas constatações que esperei sua “adulta” contribuição discursiva, certo de que o exercício da crítica nunca deve retira-nos da seriedade analítica inspirada pela imparcialidade e pela honestidade.

A incapacidade para a constatação lógica do meu argumentário está em que, Patrício Batsíkama é um estudioso que, vindo de uma valiosa passeata pelo mundo do conhecimento, pretendeu plantar um movimento filosófico nas artes plásticas angolanas com a incúria de não examinar a realidade criativa ao ponto de se perder nas persuasões clientelistas de um artista de resto muito sagaz em matéria de relações comerciais como Etona. Identificou, com erro e paixão, o terreno em que podia plantar e fazer nascer sua promissora carreira como filósofo de arte. Percebe-se, mesmo com a engenharia verborreica que utiliza, que sua filosofia se perdeu num discurso elogioso sobre uma arte incapaz de representar uma imagem constante de si mesma. Teve ainda a aura gloriosa de se achar no meio de reles mortais (entre ignorantes e incapacitados) no domínio das artes e da própria filosofia. Não estranha que o próprio Etona tenha dificuldades de entender a filosofia que sustenta a sua arte e por isso, se tenha constituído seu discípulo para um aprendizado impossível.

Se implanta in limine com a ideia de que o etonismo é uma corrente de tal ordem revolucionária que merece enquadramento académico nos curriculum escolares do mundo, quando é certo que o ocidente está de tal modo desgastado pela recorrência aos modelos clássicos que não perde tempo em consumir sofregamente qualquer material exterior a sua realidade mesmo que a qualidade não seja apelável. Saiba que muito material de qualidade filosófica e artística se perde amarelecido no espírito dos africanos por nunca terem sido expostos ao mercado cultural ocidental. Não se apercebe disso nos domínios da música, dança, teatro, literatura e até mesmo das artes plásticas? Por isso, não se perca com a vaidade de pretender o etonismo como uma verdadeira invenção filosófica. Tenha a humildade de estudar e perceber a historiografia artiplástica angolana e surpreender as maravilhas da engenhosidade plasticografica que podem sustentar teses mais profundas do que as que ardentemente deseja com o etonismo. Minha insistência para além de eivada de vícios de um jurisconsulto pretende colocá-lo no plano da seriedade analítica da arte angolana em busca da profunda sensibilidade do fenómeno artístico –, o desprezado é quase sempre a fonte de conhecimento mais segura (ex ore parvulorum veritas) – afim de que ao agenciar sua filosofia pelo mundo o faça de modo irrepreensível e transmita orgulho a todos nós, angolanos. Proponho-lhe, enfim, que passemos em exame a evolução das artes plásticas angolanas, através de um debate assistido e participado pelas mais variadas opiniões e sensibilidades. Seguramente, constataremos novas orientações discursivas para futuras análises, quer no domínio da estética quer no domínio da ética das artes no geral. Vale a ideia por dinamizar o pouco expressivo ambiente da crítica de arte em Angola. E provavelmente nascerá uma melhor e mais convincente sustentação para o seu muito querido Etonismo. Alea jacta est.

2 comentários:

  1. Adorei esta argumentação, pois desmascara uma pretensa criação de uma corrente que, a meu ver, não existe. Trata-se sim da adequação à correntes ou já existentes.

    Esmael da Purificação

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  2. Angola ainda tem deficiência acerca de ARTE. Falta de instituições académicas, promocionais e de matriz para sustentar o discurso de Arte. Os Florentinos (na Italia) por exemplo não precisavam (no séc. XVIII) de clientelismo para vender a sua obra: a sua origem justificava a grande procura da sua obra. Hoje quem visita Florença entende porque. O discurso de Albano Pedro, realmente soa interessante, até porque ele tem todo direito de contre-argumentar. Ainda assim, há vários facetas de entendimento sobre a expressão artistica. Na teoria de M. Heidegger, a obra torna-se estranho perante o seu criador. Logo, não será necessário que Etona entenda da filosofia que expressa, por um lado. Por outro lado, o discurso estético de Nietsche sobre o "destino da arte" justificaria a postura do estudioso. Aconselharia ler o livro ETONISMO para próximas criticas...

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