segunda-feira, 8 de junho de 2009

PEDRO TCHIVINDA

ENTRE O CUBO - FUTURISMO E O MITO HUILANO

Albano Pedro*

Aos 40 anos de idade, Pedro da Conceição Filipe André ou Pedro Tchivinda é um homem amadurecido pelas vicissitudes históricas da sua época num tempo sem fim e um pintor endurecido pelas experiências ético-estéticas resultantes de um trabalho árduo num espaço sem limite. Começou a desenhar na escola, sacrificando desde cedo os estudos académicos em favor da paixão que não mais o abandonou.

Como pintor galgou os degraus do conhecimento com um autodidactismo eivado de uma convicção, algo cega, pelo sucesso. Descobriu uma corrente aqui denominou cubo-futurismo. Simbiose, é claro, de duas correntes estéticas modernista introduzidas nos primeiros quartéis do século passado. A primeira, o Cubismo, largamente explorada pelo pintor espanhol Pablo Picasso, inovou o quadro analítico formal através da projecção geométrica dos pictogramas no processo de objectivação da “coisa” artística; a visão analítica esbarra-se com uma associação formal onde o objecto impresso é uma polidimensão expressa no ângulo bidimensional, i.é, uma tridimensionalidade plana. O que revela a possibilidade ilógica de se obter as seis vista do objecto num único extremo visual: Frontal. Embora operando com bases próprias da geometria, o cubismo ultrapassa os limites formais desta e expõe-se para alem configurando novos modelos. O cubo, o paralelepípedo, a esfera, o cone…, são transformados e adoptados como partes de uma forma mais ampla (a forma criada como corpo da narrativa pictórica ou tema retratado) por uma geometria plástica longe do rigor euclidiano. Assiste-se então o formalismo rígido ou exacto da geometria que se rende ante a suavidade dos movimentos e interações plastigráficas, nascendo assim uma geometria harmoniosamente plasticizada.

O Futurismo enquanto ensaio pictórico de uma realidade futurística, revela a imagística das formas e movimentos dos elementos tecnológicos como suporte do discurso plástico. Os pictogramas concebidos fazem-se e refazem-se num processo epistemológico onde a concepção e a percepção se confundem em formas reveladoras de conceitos não contemporâneo nem passados. É o progresso dinâmico-estético numa prespectiva dinâmico-criativa; o ilimite estético-criativo transbordante da acção libertadora do artista em interação com os limites do ambiente plástico. Numa palavra: a extravagância.

Se o Cubismo associado ao Futurismo é uma inovação, está deverá ser entendida no plano geopictórico ou plástico-territorial (salve-se assim do risco de cair no mimetismo negligente), posto que o pintor se tem revelado, entre nós, como único operador plástico consciente do conceito que lhe subjaze o processo criativo. O inequívoco porem, esta em que o Cubo-Futurismo de Pedro Tchivinda é uma forma de revelação plástica “suis generis”. O artista procura as bases de um realismo enriquecido pela pormenorização tónica das cores própria do naturalismo e com ela faz (re) nascer as formas do seu estilo. Uma associação surpreendente que sugere mais a polinomenclatura: naturo-cubo-futurismo.
Admita-se que, Pedro Tchivinda é antes um naturalista, se atendermos ao rigor na continuidade das nuances (o que é raro entre os naturalista angolanos) no tratamento das cores ao ponto de um morango pintado oferecer ao espectador, a sensação de suculência própria de um fruto natural (vide a obra: se Lubango tem morango…-em homenagem a canção homônima de Waldemar Basto).

Com a décima sexta exposição individual: Cubo da Futuridade, apresentada no mês de Agosto do ano 2001, o pintor evidenciou a versatilidade de um artista que faz da tela a paleta em que a mistura é um conjunto de formas que completam e pós-completam uma construção plástico-narrativa que, de assentada na acessibilidade do discurso realístico-naturalista, é de fácil leitura. O que une o prazer de apreciar a inocência criativa de uma obra realista e o esforço de descodificar os signos místicos de uma arte abstracta. Eis como o Cubo-Futurismo de Pedro Tchivinda sugere a ousadia da Arte em desafiar o seu próprio limite: o ilimite criativo, transportando-se a si mesmo para lá das fronteiras do exagero da (in) consciência enigmática da obra que materializa.

Quarenta obras! Uma exposição de grande fôlego. Pedro Tchivinda (de)mostrou que não só de Cubo-Futurismo vive o artista, mas de todas as possibilidades que o estilo encerra em si. Torceu e distorceu o Cubismo e o Futurismo, confundiu-os por vezes em outras correntes, oferecendo uma orquestra pictórica de diversidade agradável. Em quadros como “p’ra frente”, “defloramento”, “para o banho”…, o figurativismo de tendência abstracta atrai perigosamente o artista que resiste pelo fio de um Futurismo debilmente amarrado nas cores. Já em “num destes dias” o Futurismo vai ao ponto de regressar as formas primitivas com o rigor dos modelos tecnológicos (como a lâmpada eléctrica) associados à temática do futuro enquanto espaço-esperança denunciado pelo olhar perspéctico da forma feminina. Manifestam-se parcerias entre o Cubismo e outros estilos como o realismo (“depois de casados”) e o figurativismo (“Agere memo – eles mesmos – crioulo Namibe”). Porem, algumas vezes é majestosamente omnipresente (“cocktail in Mussulo”) ou solitariamente encantador (“Marimbeiro e companhia”) e ainda em casos que incorpora tipos raros do surrealismo (“protecção”). Finalmente a relação entre o Cubismo e o Futurismo é assombrosamente perfeita, ora revelando uma espectacular sensação de movimento (“Rapariga Beija Flor e Abelha”), ora apresentando um incrível dinamismo nas formas (“Nu Enxerto”).

Atravessando a sua obra da cobertura formal até ao âmago temático, os códigos éticos são enaltecidos (“Que viva a solidariedade”) ou denunciados como decadentes (“Chauvinismo”) ou até mesmo lembrados como fundamentais (“Carência Ingerindo Humanidade”). Também, são emancipados à psicoformas (“Janelas da Alma”), sacrificados em favor de um idealismo para-ético (“Ovinganji Eclipsando”), ou simplesmente usados como uma mensagem lírica (“no “ y”). Pedro Tchivinda tem na sua cidadela imaginária todas as soluções para as pandemias psicossociais de um mundo que teima em manter-se enfermo. É um sonhador. Pior! Um poeta que canta as melodias concordantes das motivações humanas e desumanas (“João e Joana”) com um espírito discordante e que se rebela contra a inóspita realidade envolvente (“Etango Tonoguine-Sol Poente-Kwanyama”). Daí que a mulher, mesmo como sociotipo que a realidade apresenta com todos os requintes de crueldade: lágrima, desaires e infelicidades…, revela-se nas curvas afrodíticas da beleza, respirando através da pele sedosa a esperança de um mundo ideal sobre um mundo real. Segue-se que a cordialidade, a harmonia social, a irmandade…, são valores facilmente destilados da temática proposta formando ideotipos que passam a frequentar a razão de que se coloca diante de cada tela. Um modo invulgar e perfeitamente agradável de pregar a mensagem da paz e da necessidade de unidade nacional, em cada espírito dilacerado desta Angola martirizada.

Entretanto, o drama nem por isso se aperta do prazer de viver e de estar. Parece colaborar com a dialéctica dizendo: A alegria é o amanha necessário da dor, tal como esta antecede aquela. De modo que a intensidade de uma condiciona a da outra. O poeta que esconde o drama atrás das cortinas transparentes de um lirismo suave é proeminente. Por vezes apresenta-se na embriagues erótica proporcionada pela flecha de um Cupido eventual. Se se pode admitir que a mulher é a expressão humana de um espaço geo-genético, Pedro Tchivinda é um huilano de natureza e de expressão telúrica, que abandonou a terra sem que para tanto concorresse a sua vontade.

Ora, na distância, após os apupos de uma saudade profunda, nada mais resta à sensibilidade humana senão cantar o passado. Mesmo quando este parece confundir-se com toda a realidade que nos envolve; mesmo quando nos ilude com um altruísmo universal que se exprime nos mais variados modos de auxiliar o próximo. Afinal, se Lubango tem morango…, há de ter certamente tudo quanto o prazer queira. E para tanto, Pedro Tchivinda canta na sua poesia plástica com todo o ardor de uma alma sensível. Sensível à necessidade humana.

* texto inédito elaborado por altura da 1ª exposição de Pedro Tchivinda em Luanda, há mais de 10 anos.

O GÉNIO DE SEBASTIÃO EDUARDO

E O NASCIMENTO DE “OS NACIONALISTAS”

Albano Pedro

Certa vez, há menos de dois anos, envolvi-me numa discussão sobre a possibilidade de um movimento de artes Plásticas em Angola. A discussão teve lugar, no velho edifício da UNAP (União Nacional dos Artistas Plásticas) e foram protagonistas entre outros pintores, Barcas e Gimby. Eu defendia, embora contrariado, que não se podia falar de um movimento das artes plásticas em Angola, antes do surgimento da nova Republica. A minha tese assentava nos seguintes argumentos: antes de 1975, Angola não existe como Estado, pelo que qualquer artista ou movimento artístico daquela época tinha directa referência com Portugal. Albano Neves e Sousa, pintor de renome da época colonial, sairia certamente em minha defesa, em benefício de ser meu homónimo. Após a independência, o regime politico baseado na centralização das decisões deve reflexos negativos na liberdade dos indivíduos e tendo em conta que a arte, apenas encontra realização com a liberdade ou sentido individualista do criador, seria bastante arriscado sustentar a existência de um movimento artístico, visto que o que se pôde produzir durante aquele período era material de valor ideológico-político enquadrável no interesse colectivista. Claro está, que a pensar de tudo haviam artistas. Negar esta verdade é ofuscar grandes nomes como António Olé, Zan Andrade, Paulo jazz, Augusto Ferreira, Tomás Vista “Tetembua”, Van-Dúnem “Van”, Jorge Gumbe, Massongui Afonso “Afó”, Marcela Costa, Kabissi Remos, Mpambukidi Nlunfidi, etc., que hoje fazem eco nos quatro cantos da fisiologia plasticográfica angolana. Todavia, encontravam dificuldades em fazer vincar a sua criatividade a margem das imposições ideológicas. A propósito daqueles angustiantes períodos da história das artes plásticas em particular, talvez Victor Teixeira “Viteix” (Um dos maiores vultos das Artes Plásticas Pós-independência), tivesse muito que contar para a nova geração de artistas se a morte não o tivesse convidado a abandonar-nos.

Em síntese, a história não ofereceu-lhes a oportunidade de “arquitectar” uma verdadeira estratégia geracional, capaz de desencadear um movimento artístico. A acrescer-se se a situação socio-política, a UNAP despoletou uma verdadeira crise de identidade criativa ao incorporar nos primórdios da sua existência, legiões de artesãos. Não estranha, por isso que os grandes nomes trabalhassem dispersos, distante de uma consciência colectiva. Daí que eu teime em sustentar que, é de duvidar a possibilidade de um movimento artístico, i.é, de existência de uma consciência generalizada em volta dos conceitos criativo no domínio das artes plásticas antes de 1992.

Com efeito, a nova geração de artista plásticos aquela que começa ganhar uma visão de conjunto sobre a Arte, separando-a do artesanato e das reproduções ideológicas, nasce com o primeiro curso de Artes Plásticas do INFC (Instituto Nacional de Formação Artística e Cultural) em 1988. E não é para menos. Neste exacto período, o famoso pacote de reforma económica, denominando programa de saneamento Económico e Financeiro (SEF) surge como a antecâmara de grande reforma política que culminou com a transição para a II República, palco definitivo do individualismo necessário a libertação do homem. É célebre o discurso da Dr.a Irene Guerra Marques, então directora da instituição e professora de língua portuguesa, que ao dirigir-se para o grupo dos primeiros estudantes no qual me encontrava incluso, sentenciou optimista nos seguintes termos: “… Com abertura deste curso, a fase de produção de telas com casas de pau-a-piqui termina”. Mais do que simples palavras de encorajamento, aquela filóloga determinou o fim de uma época confusa nas Artes Plásticas angolanas e divisou as cortinas, para nós, novatos, de uma época em que tudo devia nascer da espontaneidade do homem angolano; da criatividade em si. Entretanto, foi preciso esperar por três gerações de formados para que a palavras proféticas, daquela querida e dedicada professora, passassem para o plano da realidade. Os protagonistas são entre eles Sabby, prémio cidade de Luanda e dos poucos formados que se fez pintor com o curso. Muitos deles já eram artistas com carreira e membros da BJAP (Brigada Jovem de Artes Plásticas) é o caso de Domingos Barcas, que veio de Benguela com uma certa autoridade em tratar com pincel, Tomás Ana “Tona”, Gonga, Fernandes Nunes, Kissanga, Maria Clara Monteiro, a cantora, Marques, o mais dedicado gravador da nova geração, etc. Mas a contribuição veio igualmente de fora das carteiras do INFAC. Coutinho, o senhor do carvão, Don Sebas Cassule engenhoso e muito produtivo, auto-didacta são algumas das vozes. Pedro Tchivinda, um dos poucos pintores que trata o realismo por tu, tornou-se a figura emblemática da Huíla. Com o mesmo estilo, em Luanda Ezequiel, brinca com as cores e extasia os espectadores. Uma jovem, Amélia, já falecida, da corpo a primeira presença feminina da nova geração e os seus traços são de avançada concepção estética. O INFAC, coloca finalmente duas raparigas no mercado das Artes. Os nomes são ousados e criativos: Kátia Rangel e Ana Van-Dúnem. Donas de beleza reluzentes e de propostas estéticas de grandes promessa. “ Alea Jacta Est” (está lançada a sorte) diriam os latinos. É a época da efervescência criativa. Os jovens são audazes, os mestres vão cedendo os lugares no pódium e a pintura de pau-a-pique, vai de facto a pique.
Claro que, não basta a aparição de novos valores no mercado artísticos-plásticos, para se falar em movimento artísticos. Porque acima de tudo, um movimento é uma tendência ética, i.é, é, uma sucessão de valores historicamente presentes e aceites por uma determinada sociedade. Para tal é necessário que haja uma estratégia de acção que identifique uma geração e inscreva nos anais da história, a presença de uma época de buscas e descobertas de valores identificados com a necessidade de todos. A primeira tentativa desta verdadeira consciência de geração nasce com “Os Nacionalistas”.

Os Nacionalistas Acham que deve haver uma motivação comum na motivação da Arte. A motivação é ética e deve ter o mesmo pendor que as do grandes intelectuais dos anos 40, como o Mário Pinto de Andrade e outros, que lançaram o desafio “Vamos Descobri Angola”. O artista plástico angolano deve procurar as suas raízes e a partir codificar o seu processo criativo, conferindo à obra-produto uma marca tipicamente nacional. Mas um grande nome, embora incógnito, está por trás desta consciência colectiva: Sebastião Eduardo ou “SD” como assina nas obras.

Sebastião Eduardo. Um jovem de criatividade abundante e genialidade incontestável Nasceu artista e a sua candidatura e frequência no curso de artes plástica foi prova viva de que o Artista não se forma, nasce. Nunca conseguiu digerir a geometria dos conceitos matemáticos, químicos e físicos. Resultados: o curso foi excessivamente torturante. E a velha dificuldade enfrentada pelos libertos quando submetidos a regras. O artista quando nascido génio não é lógico, por isso não aprende. Ao invés, descobre-se. Só assim se compreende que Isaac Newton, o célebre matemático tenha sido péssimo aluno na disciplina em que se destacou. Sebastião Eduardo não precisava aprender arte, porque esta nasceu com ele. Sua gravura intitulada “ A dança do galo” (Em homenagem a famosa dança com o mesmo nome, do grupo de dança tradicional Os Kilandukilos) e a “Mordidela de Adão” atraíram a atenção de grandes nomes. Um deles é Jorge Gumbi, ex- director do curso de Artes Plásticas do INFAC. A particularidade dos traços de grande precisão e elevada perfeição, fazem de Sebastião Eduardo um criador nato. E onde estará a genialidade deste jovem? Basta saber que a maior parte dos artistas concebe a obra mentalmente e vindo em seguida a materialização na tela, na madeira ou no barro. São dois processos: a concepção e a projecção. Para Sebastião Eduardo, os dois momentos confundem-se perfeitamente. A obra nasce no momento em que toma o pincel e as tintas e passeia sobre a tela ou empunha a goiva para “desbravar” o linóleo. Um artista de admirável versatilidade que trabalha obcecantemente, horas a fio, completamente desligado do mundo exterior, usando os mais variáveis materiais e estilos que permitem a pintura, a gravura, o desenho, a escultura, a cerâmica, a banda desenhada, etc. grande parte das suas obras predominada por máscaras encontram-se dispersas em colecções de anónimos, muitos deles sem justo título de aquisição, uma vez que Sebastião Eduardo tinha pouca propensão para a alienação das suas criações. É a justificação da velha contradição com os actos e comércios que impõem aos artistas o cruel sacrifício de se verem distante de algo que lhes é intrínseco: a obra.

Quando nos conhecemos acabávamos de aprovar nos testes de aptidão para a frequência do curso. Tínhamos muito em comum. Desde o nome Sebastião, a vontade de criar, a vocação artista desde as infância a extravagância… até a resistência as aulas teóricas. Francisco Van-dúnem “Van”, então professor de desenho, caracterizou melhor a nossa relação apelidando o dueto que constituíamos com o estranho epíteto de “barraqueiros” qualquer coisa como vagabundos. Claro está que de vagabundo nada tínhamos. Apenas a impressão de que estávamos a ser torturados pela matemática, nos levava a distanciarmos da realidade académica, para nos fechar em projectos extra curriculares. Ele começou a praticar banda desenhada com Henrique Abranches e eu a colaborar com cartoons no Jornal de Angola. As aulas de Artes Plásticas prosseguiam nos dois períodos do dia e heroicamente conciliávamos tudo.

A ideia da criação de os nacionalistas assaltou Sebastião Eduardo numa altura em que já não estávamos a cursar Artes Plásticas. O seu mentor trabalhava com Lino Damião no atelier deste, localizado no edifício da UNAP. Ao ter comigo e expor a idéia, Sebastião Eduardo já não encontrou em mim o “menino nascido para as Artes”. Algum tempo tinha passado e o meu curso académico tinha mudado em grande amplitude. Trocara as artes pelas ciências sociais. É nesta altura, eu era um discípulo “fanático” de filósofos como Hegel Schopenhauer. Lógico esta que, facilmente integraria a sua iniciativa no âmbito das grandes transformações históricas que Angola vivia. Encantado com o meu discurso histórico-filosófico, Sebastião Eduardo conferiu-me a “autoridade de elaborar a “doutrina” de Os Nacionalistas. No assentamento do pensamento ético-estético que impulsionaria o grupo, divergimos. Sebastião Eduardo defendia um autoctonismo ferrenho do tipo Angola deve voltar-se para si mesma. Descobriu-se e andar por si mesma, rumo ao desenvolvimento. Eu, pelo contrário, teimava numa visão universalista, privilegiando a emancipação dos códigos éticos-estéticos a nível dos povos de todo mundo, procurando elementos para o enriquecimento do ser angolano e contribuindo com o que é de útil se pode oferecer ao mundo. Sebastião Eduardo revelou-se preso ao seu Nacionalismo de tendência radical. Um autêntico “Return to the rost” (regresso as raízes) injustificáveis nos tempos modernos em que a globalização estende os tentáculos ao processo evolutivo dos povos. Eu procurava conciliar o processo histórico com a necessidade do ser- angolano. O meu pensamento desenhou-se na base de uma teoria e resolvi denominar por Urbanismo, segundo o qual, a arte angolana embora concebida a partir de matrizes éticas nacionais deve ser “apetrechada” de códigos técnicos-estéticos universais, de modo que não seja isolada no contexto estético mundial. É uma condição de sobrevivência e de emancipação. Apesar da razoabilidade dos argumentos e possibilidade de “negociar” a conciliação, desencadeou-se, desde então, uma guerra filosófica entre nós. É a manifestação da soberania causada pela liberdade própria em artistas. Hoje, a música angolana veiculada por vozes jovens como as dos O2 (ex-N’ Sx Love), os SSP, Tony Amado e seu muchachos, Se Bem, etc., sustentam a verdade do meu discurso. Outras modalidades artísticas não tardam a seguir a passada.

Mas quem eram os Nacionalistas? Quando foi criado, eu era único membro que não praticava Artes Plásticas. Animado pelo Sebastião Eduardo, o grupo tomou corpo comigo, com Lino Damião o mais jovem pintor angolano com nome na praça, Mwamby, o espectacular escultor das peças em coco. Juntaram-se depois Venâncio “veneno”, Lutandila, jovem de traços definidos e que prometia uma brilhante carreira não fosse encontrar o fim da vida em Londres.

Sebastião Eduardo sonhava em viajar pelo mundo e fazer carreira fora de Angola. Um dia a oportunidade chegou e desapareceu para Portugal. Desde então muito jovens passaram pelo grupo, muitos deles a tomar contacto com as artes plásticas primeira vez. Os Nacionalistas, persiste já com a liderança de Lino Damião. Mwamby, está presente e eu não estou alheio o actividades, embora sem participação directa. Ocasionalmente realiza exposições incluindo convidados. A mais recente exposição foi realizada no restaurante Tamariz na Ilha de Luanda no dia 25 de Maio de 2001 e envolveu artistas estrangeiros como o espanhol Pedro pablo e a moçambicana Farida Rasaque. Yana Van-dúnem, Yonamine, Mwambi, Gonga e o próprio Lino Damião completaram o grupo de expositores

Dizer que Os Nacionalista são os responsáveis por uma nova visão criativa, não só seria um pedantismo gratuito como ofuscar-se-iam as grandes vozes que todos os dias estimulam a existência e o progresso das Artes Plásticas. Entretanto, este grupo quase insignificante, que surgiu entre uma UNAP afundada com a BJAP e um mercado artístico pouco definido, juntou em torno de um ideal revolucionário, a maior parte dos pintores angolanos da nova vaga, sediada em Luanda. Através dos vários encontros, exposições e tertúlias esporádicas promovidos pelos seus membros, muitos pintores começaram a ganhar uma verdadeira consciência criativa que num futuro não distante virá a estabelecer um novo estágio no processo evolutivo das Artes Plásticas angolanas.

Sebastião Eduardo encontra-se em Lisboa. Escreveu-me, recentemente, manifestando uma vontade nostálgica de nos reencontrar. Promete vir em férias, para rever familiares, amigos e, obviamente, o grupo de jovens que compõem Os Nacionalistas. Mas uma grande notícia veio com a carta datada de 4 de Julho de 2001: acabou de realizar a sua primeira exposição de pintura, nas terras lusas, em companhia de um pintor moçambicano. Ora avance, SD, a história das artes plásticas angolanas a ser escrita pela nova geração reserva muito espaço ao teu gênio!


* Texto integral publicado na extinta revista Xá de Caxinde, há mais de 10 anos.